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A proteção do cyber atleta através da regulamentação trabalhista dos e-sports

A PROTEÇÃO DO CYBER ATLETA ATRAVÉS DA REGULAMENTAÇÃO TRABALHISTA DOS E-SPORTS

Por Diogo Almeida Ferreira Leite, advogado associado, e Marcelo Magalhães Mesquita, estagiário de direito

A ASCENSÃO DOS E-SPORTS

Muito se fala a respeito dos e-Sports, uma modalidade esportiva, relativamente nova, que vem crescendo exponencialmente a cada ano. O e-Sport, manifestado através de jogos multiplayers de alta competitividade e profundidade técnica[1], vem conquistando pelo mundo muitos praticantes e também espectadores, dando origem a um mercado de grande porte e que cada vez mais necessita de uma regulamentação, principalmente no âmbito trabalhista.

Segundo a pesquisa do periódico holandês, NewZoo[2], os e-Sports no ano de 2018 vão movimentar cerca de 905.6 milhões de dólares, isso significaria um crescimento de 48% em relação ao ano interior. Toda essa movimentação financeira e impacto social são reflexos de diversas competições que hoje existem, para as quais estão se formando atletas, equipes e todo um corpo de profissionais altamente especializados e direcionados para o alto rendimento da modalidade, envolvendo preparação dos atletas, logística e paramentação, com patrocinadores variando de gigantes da tecnologia (Intel e Dell) a redes de fastfood (McDonald’s) e gigantes do varejo (Submarino) [3] [4].

Esse rápido crescimento em popularidade e rentabilidade chama atenção às proporções que o mercado está tomando, tornando cada vez mais comum a profissionalização de jogadores em vista da alta competitividade do meio, sendo uma necessidade das equipes os investimentos em preparadores físicos, psicólogos e nutricionistas.

Constitui-se então um verdadeiro esporte com mercados de transferências, centros de treinamentos e alta especialização. Dessa forma, como é feita a regulamentação dos trabalhadores que se dedicam a tais modalidades? Como são resguardados os seus direitos? Há monitoramento de suas jornadas? Como são feitos os acertos e pagamentos de salários, garantindo que não ocorram fraudes?

Atualmente, não há uma regulamentação das relações de trabalho nesse meio, sendo que sequer o Código Brasileiro de Ocupações reconhece o atleta de e-Sports como uma profissão. Cumpre destacar que algumas competições exigem que o atleta possua um contrato de trabalho, razão pela qual a identificação da profissão utilizada refere-se às áreas de TI e não de atletas profissionais.

Assim, há a sujeição dos cyber atletas a abusos contratuais, instabilidade, incertezas profissionais e falta de amparo jurídico ignora totalmente as garantias ao livre exercício profissional insculpidas no artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, principalmente diante da falta de reconhecimento da profissão e do subsequente impedimento da observância dos ditames legais, da ausência de discussões que conduzam a inovações legais e da falta de assessoria jurídica aos atletas.

Esse atletas são o foco de uma preocupação quanto à regulação de seus contratos, principalmente no que tange à jornada laboral e consequências do trabalho em sua vida, paralelamente à remuneração equivalente. Nesse sentido, uma vez que não existe uma regulamentação sólida, a empresa pode definir metas através de ofertas de bonificações que não estão ao alcance do atleta, causando evidente sobrecarga laboral e estabelecendo salário-condição que implica grande variação remuneratória em descompasso ao empenho do atleta, contrariando o Princípio da Estabilidade Financeira, já abordado pelo Tribunal Superior do Trabalho quando da redação da Súmula n. 372, I.

O problema da ausência de regulamentação não é apenas definir a jornada dos jogadores, é muito maior que isso. A CLT de 1943 é um marco para o país por instituir e regulamentar as relações de trabalho e anos depois houve sua reforma sob o argumento de adaptar a CLT às mudanças ocorridas nos mais de 70 anos de sua vigência de forma a propiciar avanços para que as relações de trabalho se desenvolvam de forma harmônica.

PROPOSTAS LEGISLATIVAS

Existem algumas propostas que tramitam no cenário nacional para regularizar a relação de trabalho entre os atletas e empresas que organizam as equipes. Em síntese, as propostas apresentadas buscam adequar o praticante dos e-Sports ao termo “atleta”, sendo assim, por analogia, seria aplicado a estes as disposições da Lei Pelé (Lei nº 9.615 de 24 de março de 1998), criando uma igualdade formal entre atletas de diferentes esportes.

Cabe ressaltar também que a Riot Games, organizadora do campeonato de League of Legends, um jogo popular no meio dos e-Sports, a partir de 2017 impôs uma série de regulamentações para que fossem formalizados os vínculos empregatícios com os jogadores e treinadores[5]. Dessa forma, foi determinado que seria aplicada, por analogia, a Lei Pelé aos atletas.

No entanto, mero enquadramento dos atletas dos e-Sports na Lei Pelé não se mostra suficiente quanto ao âmbito trabalhista. Cada esporte tem suas peculiaridades devendo ser tratadas como tal, bem como não é possível depender a aplicação análoga da Lei às regulamentações particulares de cada competição na ausência de lei especifica concedendo aos profissionais dos e-Sports status de atletas profissionais.

Os avanços são importantes, mas ainda se mostram pequenos diante da magnitude que o esporte tem tomado, por isso as atenções devem se direcionar ao esporte em comento.

PROBLEMÁTICA DA FALTA DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA

Em vista do aumento da demanda de atletas no mundo dos e-Sports, criou-se a nível internacional um mercado próprio que envolve contratos, transferências e condições, assim, aumentam também o número de conflitos entre atletas, contratantes e terceiros, sendo necessária a interferência do Direito do Trabalho.

Como destacou o autor Marcos Ullhoa Dani[6], no âmbito do direito desportivo, “a lei n. 9.615/98(Lei Pelé) não trouxe regulação exaustiva de todas as situações que podem advir de um contrato desportivo, em especial no que tange aos registros e às transferências dos atletas.”.

Além da falta de conhecimento quanto à situação dos cyber atletas, há a dinamicidade das contratações e competições, com alta rotatividade implica demissões relâmpago e desmembramento de equipes sem observância da legislação trabalhista quando de rescisões laborais, havendo ainda pouquíssimo amparo jurídico aos profissionais quando da redação dos contratos, sequer sendo observadas multas rescisórias ou cláusulas compensatórias, de tal forma que apenas as empregadoras são resguardadas em caso de rompimento de vínculo.

A título de exemplo, poderia ocorrer situação semelhante àquela do caso Bosman[7], que modificou a estrutura das negociações futebolísticas no mundo. Em observância a essa situação, que possui diversos paralelos e similaridades com os abusos existentes no ramo dos e-Sports, foi elaborada a legislação resguardando o desporto e buscando extinguir os abusos dos empregadores. No Brasil, a lei nº 9.615/98 definiu o vínculo esportivo como acessório ao vínculo empregatício, outrossim, não existindo contrato de trabalho não se configura vínculo esportivo.

Nesse contexto de analogia, alguns aspectos da atividade dos atletas convencionais, amparados pela Lei Pelé, assemelham-se às situações dos cyberatletas, quais sejam:

  • períodos de concentração anteriormente às partidas profissionais (art. 28, §4º, I);
  • existência de cláusula compensatória no contrato laboral (art. 28, II);
  • contrato por prazo determinado como regra (art. 30);
  • fornecimento de treinamentos e equipamentos necessários à prática do esporte (art. 34, II);
  • necessidade de integração ao contrato das condições de transferência do atleta (art. 40, §1º).

Além desses pontos expostos apenas de forma exemplificativa, há questões de suma importância que reforçam a necessidade de legislação específica à categoria, como a necessidade de acompanhamento psicológico, importância da ergonomia e dos EPIs necessários à prevenção de doenças ocupacionais e o estabelecimento de intervalos dentro da própria jornada em decorrência da intensidade da atividade.

Além de todas essas questões é importante mencionar a divulgação da imagem dos atletas, que se dá muito mais comumente através de transmissões pela internet em plataformas como o Twitch e o YouTube, o que traz toda uma nova abordagem a respeito da diferente arrecadação e necessidade de repasse ao desporto, haja vista que as transmissões via televisão, regra nos esportes convencionais, aqui atingem apenas uma pequena parte do público.

Passadas essas questões, é evidente que há situações fáticas que não estão abarcadas pela Lei n. 9.615/1998 e que são essenciais ao correto exercício da profissão na perspectiva de uma tutela jurídica efetiva.

 

CONCLUSÃO – BASES LEGAIS, DISCUSSÃO, INOVAÇÃO E AMPARO

Nos termos do que já foi exposto, o atleta dos e-Sports, atualmente, encontra-se num vácuo legislativo, onde seus direitos e suas responsabilidades não são atribuídos de forma clara e negligenciam as peculiaridades da sua modalidade. Por isso se faz importante o reconhecimento da modalidade como esporte, para que se torne obrigatória a formalização de um vínculo empregatício, bem como a atribuição de status de atleta profissional aos jogadores que atuam nas competições profissionais como forma de evitar abusos e resguardar os direitos do atleta, reduzindo as chances de uma pactuação unilateral e totalmente alheia às necessidades do cyber atletas, sejam as comuns aos atletas convencionais ou ainda aquelas específicas dos e-Sports.

O primeiro passo para tanto é o reconhecimento da condição dos cyber atletas mediante legislação específica, bem como a abordagem de questões já conhecidas como a jornada diferenciada, contabilização dos treinamentos na jornada laboral, caráter não-salarial de premiações, resguardo mediante cláusulas compensatórias, necessidade de acompanhamento médico e psicológico, nos termos do que já foi abordado neste artigo.

A partir de uma base legal sólida e já capaz de englobar os melindres da profissão em um momento inicial, a aplicação da lei permitirá um segundo momento de estudos e verificação do impacto legal, viabilizando novas alterações e adequações, possibilitando a inovação legal frente às inovações trazidas por esse peculiar vínculo empregatício e, logo, garantindo real amparo aos profissionais envolvidos e permitindo a continuidade do desenvolvimento dos e-Sports.

[1]     Wikipedia. eSports. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/ESports>. Acesso em: 10 julho 2018.

[2]      PANNEKEET, Jurre. Global Esports Economy Will Reach $905.6 Million in 2018 as Brand Investment Grows by 48%, NEWZOO. Publicado em 21 de fevereiro de 2018. Disponível em: < https://newzoo.com/insights/articles/newzoo-global-esports-economy-will-reach-905-6-million-2018-brand-investment-grows-48/>. Acesso em 10 julho 2018.

[3]     ALVES, Thiago. 10 Cases de marcas que investiram em eSports. eSPORTS PRO BR. Publicado em 16 março 2017. Disponível em: <http://esportsprobr.com.br/conteudo/10-cases-de-marcas-que-investiram-em-esports/>. Acesso em: 10 julho 2018.

[4]     COUTINHO, Beatriz. 10 grandes marcas que patrocinam o cenário de eSports. VERSUS BETA. Publicado em 02 fevereiro 2018. Disponível em: <https://vs.com.br/artigo/10-grandes-marcas-que-patrocinam-o-cenario-de-esports>. Acesso em: 10 julho 2018.

[5]      ALVES, Tarsila. Carteira de trabalho é apenas uma das formas de contrato nos eSports, ESPN. Publicado em 4 de setembro de 2017. Disponível em: < http://www.espn.com.br/noticia/724367_carteira-de-trabalho-e-apenas-uma-das-formas-de-contrato-nos-esports-entenda>. Acesso em 10 julho 2018

[6]      DANI, Marcos Ulhoa. Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol: responsabilidades e direitos. 1. ed. São Paulo: LTr, 2016. 96 p.

[7]      Wikipedia. Caso Bosman. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Bosman>. Acesso em: 10 julho 2018.

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