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O pagamento de adicional de periculosidade pelo transporte de carga perigosa e a limitação normativa em vista da NR-16 e do art. 193 da CLT frente à previsão constitucional

O artigo 193 da CLT preconiza ser o adicional de periculosidade devido ao trabalhador quando ele se ativar em atividade perigosa na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em atividades que envolvam inflamáveis, explosivos, energia elétrica ou ainda possibilidade de violência física.

 

Dessa forma, nos termos das especificações da NR-16 são atividades perigosas e que ensejam o pagamento do referido adicional: o manuseio de materiais explosivos, o que é tratado no Anexo 1 da referida NR; o manuseio de materiais inflamáveis, seja no transporte de combustível, armazenamento, abastecimento ou ainda outras atividades que envolvam a exposição a tais materiais, o que é tratado no Anexo 2; o labor em atividades perigosas nas quais os empregados estão sujeitos a violência física, nos termos do Anexo 3; a realização de atividades e operações com energia elétrica como é o caso dos eletricitários, hipótese abordada no Anexo 4; e, por último, com previsão no Anexo 5, o trabalho com motocicleta em vias públicas de forma frequente.

 

A rigidez normativa especificamente quanto à necessidade de aprovação pelo Ministério do Trabalho e Emprego para que a atividade seja considerada perigosa implica na impossibilidade de que outras atividades sejam consideradas como tais sem que haja interpretação hermenêutica extensiva e que de fato considere o intuito do legislador quando da promulgação do art. 7º, XXIII, da Constituição Federal, segundo a qual haverá “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”, de tal forma que, havendo constatação do risco da atividade para os trabalhadores, haverá o pagamento do adicional, de tal forma que a limitação no que tange à regulamentação não pode ser limitador para concessão do direito ao ponto de tornar ineficaz a previsão da Carta Magna.

 

É nesse contexto que o transporte de carga perigosa, carga esta que muitas vezes refere-se a material que apresenta até mesmo risco ambiental e está sujeita a fiscalização e normas rígidas quando do transporte, sinalização, armazenamento e treinamento dos envolvidos, sequer se configura como uma atividade perigosa sujeita ao pagamento do adicional se houver uma interpretação hermenêutica puramente gramatical a partir do disposto no artigo 193 da CLT e da NR-16.

 

Assim, muito embora haja trabalhadores que façam o transporte de materiais extremamente perigosos e que apresentam risco não apenas à sua própria integridade física em caso de acidentes e vazamento dos materiais, como também a todos que estejam próximos e ao meio ambiente de forma ampla, sequer há previsão normativa específica de que esses materiais, já objeto de regulamentação quanto ao seu transporte, ensejem o adicional de periculosidade àqueles que o transportem.

 

Em termos práticos, empregados de empresas de saneamento e tratamento de esgoto são responsáveis pelo transporte, entre as unidades de tratamento e armazens, de produtos químicos relacionados ao saneamento (cloro gás, cloreto de ferro, hipoclorito de sódio, sulfato de alumínio, cal, sal, ácido fluorsilícico e fluorsilicato) e que apresentam riscos diversos à saúde e integridade física do próprio motorista caso ocorra algum acidente e ele entre em contato com tais substancias:

  • Cloro gás: pode causar irritações graves e queimadura caso haja contato com os olhos, bem como sua forma líquida pode provocar vermelhidão e formação de bolhas; resultando em queimaduras de 1º e 2º graus respectivamente em caso de contato com a pele; e sua inalação pode causar de danos brônquicos a edema pulmonar agudo levando a óbito.
  • Cloreto de ferro: é nocivo em caso de ingestão e pode provocar irritações cutâneas e lesões oculares graves.
  • Hipoclorito de sódio: quando exposto resulta na liberação do gás cloro, cujos riscos já foram mencionados acima.
  • Sulfato de alumínio: caso seja inalado causa irritação das vias respiratórias; sua ingestão resulta em irritação do trato gastrointestinal; o contato com a pele causa irritação e o contato com os olhos também resulta em irritação.
  • Cal: causa irritação na pele úmida, se friccionada pelas vestes; pode produzir irritação ou queimadura grave na córnea ou conjuntiva; sua ingestão causa irritação no aparelho digestivo; e sua inalação pode irritar as vias respiratórias.
  • Fluorsilicato: em pó pode causar irritação para o nariz, garganta e olhos, provocando dificuldade respiratória; já na forma sólida queimará a pele e os olhos, sendo venenoso caso ingerido.

 

Nesse sentido, resta claro que há grande risco à saúde dos empregados que trabalham com o transporte de carga perigosa, afinal acidentes automobilísticos, que infelizmente são muito frequentes, podem resultar no vazamento dessas substâncias, colocando em risco o motorista, sequer há como entender de forma contrária porquanto o risco ambiental por si só já é reconhecido e, existente o risco ambiental resta presumido também o risco a qualquer ser humano próximo da área do ocorrido.

 

A ausência de previsão específica em regulamentação do Ministério do Trabalho não apresenta óbice real à concessão do benefício quando verificado o perigo da atividade, uma vez que a própria previsão do art. 193, §4º, da CLT, referente ao adicional a ser pago ao trabalhador que faz uso de motocicleta, foi inserida posteriormente exatamente pela constatação do risco da atividade, de tal forma que deve haver a evolução legislativa e da própria NR-16 também no caso do transporte de carga perigosa, já havendo inclusive entendimento nesse sentido pelo próprio TRT-11 em julgamento ocorrido ainda no ano de 2013:

 

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTORISTA CARRETEIRO. TRANSPORTE DE CARGA PERIGOSA. Estando o motorista carreteiro sujeito a riscos decorrentes do transporte de cargas perigosas de forma intermitente, impõe-se a condenação da reclamada ao pagamento do adicional de periculosidade. Incide na espécie o entendimento vertido na Súmula 364 do TST. INTERVALO INTRAJORNADA. Restando demonstrado que o autor não usufruía de 01 hora de intervalo regular para refeição e descanso, deve ser mantida a sentença que condenou a Reclamada ao pagamento de horas extras relativas ao intervalo intrajornada e reflexos. Recursos conhecidos e improvidos. (TRT-11. Processo: 0001586-82.2012.5.11.0014. Relator: Ministro Antonio Carlos Marinho Bezerra. Órgão julgador: 1ª Turma. Data de julgamento: 22/10/2013, grifo nosso).

Disponível em: https://trt-11.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/417890331/158620 120141100/inteiro-teor-417890337?ref=juris-tabs

 

Constatada, portanto, a realização de labor perigoso por parte dos motoristas responsáveis pelo transporte de carga reconhecidamente perigosa, não restam dúvidas quanto ao direito à percepção do adicional de periculosidade, não se pode obstar o direito em comento por ausência de previsão específica na NR-16 quando já existem inúmeras regulamentações quanto ao risco que tais materiais apresentam ao meio ambiente e, subsequentemente, há diversas imposições ao transporte e armazenamento de tais produtos, tornando indubitável o risco à integridade física daqueles que os transportam por longas distâncias e estão sujeitos a acidentes automobilísticos e subsequente vazamento das substancias.

Por Diogo Almeida

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