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O impacto do Whatsapp nas relações de trabalho

Por Arthur Fraga.

O Whatsapp é um meio de comunicação que veio para ficar. É um fato. Trata-se de um aplicativo que barateia o contato, facilita a troca de informações em grupos, possibilita rápido e fácil acesso, bem como opções diferenciadas de mensagem – escrita, falada e gravada – além de permitir que, não podendo ouvir, ler e/ou responder às conversas imediatamente, a pessoa possa fazê-lo, a depender do caso, no momento oportuno.  Tendo se massificado rápida e indistintamente, contudo, é evidente que o uso do aplicativo atingiu em cheio as relações de trabalho, suscitando desde então e até o momento as mais diversas dúvidas sobre os limites para seu uso nesse contexto.

Ainda não existe legislação que trate especificamente sobre o tema, razão pela qual muitos casos de abuso já resultaram em condenações para empresas, por demandarem seus empregados fora do horário de expediente, entre outras situações. Até o momento, esses episódios tem sido tratadas caso e caso.

Penso que a ausência de uma normativa específica não exime o empregador de fazer uso do bom senso e adequar os mesmos limites já existentes para as relações no ambiente de trabalho àquelas em ambiente virtual, em especial, no aplicativo. É o caso, por exemplo, de solicitações emitidas fora da jornada de trabalho do trabalhador, em seu intervalo para refeição ou em suas férias, para resolver questões relacionadas ao labor. É claramente um desrespeito ao direito de descanso do empregado. 

Um caso exatamente desse modelo levou a juíza Daniela Torres Conceição da 3° Vara do Trabalho de Montes Claros, a condenar uma empresa de transporte rodoviário de passageiros a pagar horas extras a um ajudante de tráfego que era constantemente acionado pela empresa por WhatsApp, tanto durante o intervalo quanto fora do horário normal de trabalho. Ficou comprovado nos autos, através do aplicativo, que o funcionário era convocado pelo seu superior hierárquico para trabalhar ou resolver questões ligadas ao labor durante o intervalo e também antes do início, ou após o encerramento da sua jornada.

Na sentença, a magistrada ponderou que o tempo em questão deveria ser considerado como de efetiva prestação de serviços, integrando a jornada de trabalho para todos os fins. Ela aplicou, ao caso, o disposto no artigo 4° da Consolidação das Leis do Trabalho, pelo qual “Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”. 

Também o artigo 6° da CLT, por sua vez, dispõe que há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Em seu parágrafo único, o dispositivo observa ainda que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

Em outubro de 2020,  a 3ª Turma do TST condenou uma companhia de telefonia que cobrava metas de um de seus vendedores, fora do expediente laboral, através do Whatsapp. O entendimento foi de que houvera uma extrapolação do poder diretivo do empregador e segundo o Ministro Alexandre Agra Belmonte a conduta representava uma invasão da privacidade do empregado, haja vista que realizada fora do horário de trabalho.

Ora, o direito de se desconectar do trabalho embora não previsto expressamente em lei, tem como fundamento o princípio de que todo trabalhador tem a prerrogativa de usar o tempo livre da forma que entender. Para o psicólogo Jairo Borges Andrade, da Universidade de Brasília (UnB), a responsabilidade pela conectividade ultrapassar o tempo de trabalho não é da tecnologia. “O que precisa ser redesenhado é o processo de trabalho”, propõe. Já para Fernanda Sousa, também psicóloga, o excesso de disponibilidade pode fazer com que o empregado chegue ao esgotamento. “Desconectar é superimportante. Quando estiver de férias, esteja de férias. Quando estiver no trabalho, esteja no trabalho”, aconselha.

Desconectar-se do trabalho, portanto, é essencial para a preservação da integridade física e mental do trabalhador, e o aprimoramento das ferramentas de comunicação devem servir para a melhoria das relações de trabalho e otimização das atividades, mas jamais, em hipótese alguma, para aumentar o tempo de disposição do empregado ao empregador. A inobservância dos devidos repousos e do convívio familiar ou social, em razão do trabalho prestado pelas vias virtuais, pode impor ao empregado enfermidades psicológicas, como “stress” e depressão, dentre outros. Todas as enfermidades ocupacionais, ainda que não originadas exclusivamente em razão do trabalho, são equiparadas a acidente de trabalho e podem ensejar a obrigação do empregador de reparação civil quanto aos danos morais e materiais relacionados à doença. 

Cabe aqui lembrar a súmula 428 do TST que determina o pagamento do sobreaviso quando houver “violação à desconexão ao trabalho”. Tal verba adicional depende da instrução dada pelo empregador e do contexto em que o trabalho foi prestado. Nas situações em que o acesso ocorre fora do período de trabalho a pedido da empresa, haverá a configuração de trabalho fora do expediente, mesmo que o aparelho de celular pertença ao empregado, uma vez que seu tempo livre é tomado para responder mensagens de origem laboral.

Há que se observar, contudo, que também o empregado deve se atentar para não incorrer em abusos no uso do Whatsapp, no que se refere à sua relação empregatícia.  Recentemente, a Justiça do Trabalho de Campinas condenou um empregado que postou comentários sobre a empresa em grupo de amigos, extrapolando contudo os limites da liberdade expressão. Segundo o entendimento do magistrado Rafael Marques de Setta, da 6ª Vara de Campinas, as mensagens se enquadraram na hipótese vislumbrada no artigo 482, alínea k, da CLT, que traz em seu dispositivo: “ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem.’’

Outra decisão, desta vez proferida pelo TRT da 23ª Região, manteve sentença que reconheceu a justa causa para desligar um empregado por denegrir a imagem da empresa no aplicativo. O funcionário publicou uma resposta a uma promoção de rodizio que a empresa oferecia, dizendo “Esse rodízio é uma merda. Só 2 horas. Pela demora que é a lanchonete, não dá para comer nem dois pedaços”. Ao condenar tal comportamento, a justiça trabalhista pontuou, na decisão: “Registre-se que sua liberdade de expressão tem limites, sendo necessário ter prudência ao comentar conteúdo ali divulgado, mormente no que tange a assuntos profissionais.”

É aconselhável que, enquanto a legislação permanecer omissa em relação ao tema, os contratos de trabalho passem a prever como se darão os contatos via Whatsapp, estabelecendo limites para seu uso tanto para o empregador quanto para o empregado. Trata-se, aqui, de firmar acordos razoáveis para uso da ferramenta, utilizando-a em casos estritamente necessários e, preferencialmente, dentro dos limites horários legais.

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