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Não há razão de existir o debate sobre obrigatoriedade de negociação sindical para demissões coletivas

É inquestionável que a norma constitucional se sobrepõe a quaisquer outras, aí incluídas as chamadas infra-constitucionais, como é o caso da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que sofreu profundas alterações por ocasião da Reforma Trabalhista, instituída pela Lei 13.647, de 13 de julho de 2017, a qual vilipendiou de forma drástica os direitos da classe trabalhadora e, como se não bastasse, promoveu uma estrutura normativa que destroça a força sindical, praticamente única via, não judicial, de defesa dos interesses daquele que é empregado . O que é de se assombrar é que, transcorridos já quase 4 anos da reforma, questões básicas relacionadas às alterações ainda sejam objeto de discussão e divergência nos tribunais. 

Neste artigo, trago à discussão o que estabelece o artigo 477-A, incluído na CLT pela reforma, o qual, seguindo a linha de todas as demais alterações, no sentido de enfraquecer o trabalhador, colocou em posição de igualdade as dispensas imotivadas individuais e as dispensas coletivas, um absoluto disparate que resultaria, em tese, na dispensa de negociação sindical em casos de demissões em massa. Noutras palavras, o artigo desobriga o empregador de autorização de entidade sindical ou de convenção ou acordo coletivo para promover uma demissão coletiva.

Não se discute, aqui, o ato de se realizar demissão em massa, vez que esse é um direito de todo e qualquer empregador que se veja sem condições de prosseguir com sua empresa ou negócio. Ocorre, contudo, que, em contraposição a esse direito, que é individual, há o dos empregados, que é coletivo.

E nesse momento chegamos a um ponto dissonante com a Constituição Federal, que em seu artigo 8º, inciso III, estabelece que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. Ora, isso deixa claro que a defesa dos interesses coletivos pelo sindicato é uma garantia constitucional, e não há que se discutir sobre o quanto a normativa constitucional se sobrepõe à CLT. Isso é um fato.

Uma demissão em massa é, seguramente, um evento terrível, tanto para o empregador quanto para o empregado, sem se falar em toda a comunidade que, direta ou indiretamente, é atingida por tal situação indesejável do ponto de vista econômico e social. Ao se respeitar a intervenção sindical nas demissões coletivas, para fins de preservação dos direitos dos empregados dispensados, promove-se um equilíbrio saudável e necessário na relação patrão e empregado.

Além disso, a participação do sindicato também blinda o empregador de possíveis embates futuro, vez que ajusta as condições das demissões em massa, proporcionando formas justas e exequíveis de pagamento das verbas rescisórias e estabelecendo um acordo que afasta o risco de multas rescisórias, de modo a, ao tempo em que são respeitados os direitos dos trabalhadores, auxilia-se o empregador nesse difícil processo, protegendo, também ele, de prejuízos desnecessários e evitáveis.

Em que pese ter ficado claro para todos o quão maléfica foi a reforma trabalhista para a classe trabalhadora, não há dúvidas que as divergências judiciais acerca de sua aplicação não podem alcançar a seara constitucional, que é a norma suprema do país e, portanto, hierarquicamente superior à CLT.  Esse imbrólio poderá finalmente chegar ao fim com o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do Recurso Extraordinário 999.435/SP, com Repercussão Geral reconhecida. O STF poderá definir, no julgamento, como poderão se dar as demissões em massa, havendo ainda a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão, já que a demanda em análise tem o fato gerador (demissão em massa) anterior à reforma trabalhista.

O recurso foi interposto pelas empresas Embraer e Eleb Equipamentos Ltda e pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, e vários outros interessados foram admitidos no processo. O caso concreto que deu origem ao Recurso Extraordinário refere-se à dispensa de cerca de 4 mil trabalhadores pela Embraer, em 2009, sem negociação com o sindicato.

O voto do relator do recurso, ministro Marco Aurélio Mello é no sentido de desobrigatoriedade de negociação coletiva para demissão em massa, entendimento compartilhado pelos ministros, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.  O ministro Luís Barroso  e também Edson Fachin discordam. 

Ao abrir divergência, Luís Barroso, muito sabiamente, pontuou que, em julgamento de casos envolvendo questões trabalhistas, devem ser consideradas premissas como garantia dos direitos fundamentais trabalhistas inscritos na Constituição, preservação de empregos, formalização do trabalho e promoção da negociação coletiva. Segundo ele, a dispensa coletiva é um fato socialmente relevante não só pelo impacto sobre milhares de trabalhadores, mas também sobre a comunidade na qual vivem. “Não há razão pela qual não se deva sentar numa mesa de negociação. A intervenção sindical prévia é exigência procedimental para a dispensa em massa dos trabalhadores”, sustentou.

É sempre bom lembra que, no início do ano, decisões de primeira instância proibiram a Ford, que anunciou sua saída do país, de deixar de negociar coletivamente antes de rescindir os contratos de trabalho com seus empregados.

Embora não pareça, essas divergências sequer haviam de existir. Bastar-se-ia respeitar a hierarquia do ordenamento jurídico brasileiro e, portanto, fazer prevalecer o comando constitucional, pelo qual  as dispensas coletivas não prescindem da atuação do ente sindical nas negociações prévias, buscando-se, desta forma, o mínimo de prejuízos tanto para empregados quanto para empregadores. Por mais equilíbrio e justiça para todos.

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