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Correção Monetária no Âmbito da Justiça do Trabalho: Um panorama acerca da recente decisão do STF

O STF na última sessão plenária de 2020 deu continuidade ao julgamento conjunto das ADCs 58 e 59, e das ADIs 5.867 e 6.021, as quais versam acerca da (in) constitucionalidade da utilização da Taxa Referencial (TR) como indexador da correção de débitos trabalhistas e de depósitos recursais no âmbito da Justiça do Trabalho.

Por ocasião do julgamento restou declarada à unanimidade a inconstitucionalidade da aplicação da Taxa Referencial (TR) para a correção monetária de débitos trabalhistas e de depósitos recursais. Após a declaração de inconstitucionalidade, o STF, por maioria, restando vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, decidiu que, até que o Poder Legislativo delibere sobre a questão, devem ser aplicados o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), na fase pré-judicial, e, a partir da citação, a taxa Selic.

A decisão em questão buscou sustentáculo na regra geral do art. 406 do Código Civil, segundo o qual prevê que não sendo convencionados, os juros moratórios deverão ser fixados segundo a taxa aplicável a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, no caso a Selic, conforme a jurisprudência pátria (REsp 1102552/CE).

Acontece que a decisão da Suprema Corte acaba por adotar solução tanto quanto inusitada e inesperada ao extirpar os juros moratórios previstos na legislação, uma vez que sequer foram objeto de (in) constitucionalidade nas ações anteriormente citadas, contrariando a jurisprudência até então assentada pelo próprio Tribunal ao tratar da correção dos precatórios, quando determinou a adoção do Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), sem prejuízo dos juros moratórios legalmente previstos.

Importante, nesse sentido, entender toda a controvérsia que se instaurou acerca dos índices de correção monetária na Justiça Trabalhista até a decisão do STF para então abordar os efeitos práticos dessa decisão.

Inicialmente, cumpre destacar que a correção monetária é um resultado de reposição da moeda em face dos ajustes financeiros do Real em relação a outras moedas e a inflação. Ela basicamente adequa a moeda perante à inflação dentro de um período, realizando a compensação da perda econômica percebida.

Assim, no âmbito da Justiça do Trabalho, desde 1993, com a publicação da Lei 8.660, os débitos trabalhistas eram corrigidos pela Taxa Referencial (TR), prevista em seu artigo 1º, sem prejuízo da aplicação de juros de mora, fixado em 1% ao mês, que possuem uma natureza distinta da correção monetária, previstos no artigo 39, parágrafo 1º da Lei 8.177/1991.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, de longa data, bem como em recentes julgamentos, declarou a inconstitucionalidade do uso da TR como fator de atualização monetária, tendo em vista que a sua utilização implica na defasagem do crédito, violando o direito fundamental de propriedade, protegido no artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, dentre outras, cabe citar os julgados proferidos nas ADIs 4.357, 493, 4.372, 4.400 e 4.425.

No caso mais emblemático, no julgamento da ADI 4.357, restou questionado pelo CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL e outras entidades a constitucionalidade da EC 62/2009, responsável por alterar o art. 100 da Constituição Federal e acrescentou o art. 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, “instituindo regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios”.

Por ocasião da apreciação da constitucionalidade do parágrafo 12° da EC 62/2009, quando menciona que a atualização monetária dos valores inscritos em precatório, após sua expedição e até o efetivo pagamento, dar-se-á pelo “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, restou assentada a inconstitucionalidade do dispositivo, sendo que em questão de ordem houve a modulação dos efeitos da decisão para determinar a adoção do IPCA-E como índice de correção monetária a partir de 25/03/2015.

A solução adotada pelo E. STF pela substituição da TR pelo IPCA-E levou em consideração que o índice em questão cumpriria de forma mais efetiva o propósito de espelhar o fenômeno da corrosão da perda econômica da moeda em decorrência da inflação, considerando que o índice é obtido a partir da análise de um conjunto de produtos e serviços comercializados no varejo, referente ao consumo pessoal das famílias.

Fato é que, de uma mera análise dos índices mensalmente lançados pela TR, notava-se que a referida Taxa não realizava a reposição das perdas econômicas, o que violava o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5°, XXII), além de causar um enriquecimento ilícito ao devedor, razão pela qual, o TST, na esteira da jurisprudência do STF, decidiu nos autos do processo AgrInc-479-60.2011.5.04.0231, pela substituição do referido índice pela aplicação do IPCA-E, a partir de 25/03/2015.

Mesmo com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 39 da Lei nº 8.177/91, em novembro de 2017, através da Lei 13.467, o Legislativo inseriu no Artigo 879, parágrafo 7º, a aplicação da Taxa Referencial conforme a Lei 8.177/1991, o que acabou por gerar novas controvérsias acerca do assunto.

Nesse contexto, de nova discussão da aplicação da TR ou IPCA-E, que surgiu a ADC 58 e 59, por meio da qual o Ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão dos processos no âmbito da Justiça do Trabalho, que envolviam a aplicação dos artigos 879, §7º e 899, §4º da CLT.

Importante destacar que a suspensão referida aconteceu dez dias após o julgamento pelo TST da matéria, onde a maioria votou novamente pela inconstitucionalidade da taxa referencial, determinando novamente a aplicação do IPCA-E para a correção de créditos trabalhistas.

Embora o julgamento conjunto das ADCs 58 e 59, e das ADIs 5.867 e 6.021 realizado pelo STF seja importante no sentido de reiterar a inconstitucionalidade da Taxa Referencial (TR), temos que fora adotada solução jurídica tanto quanto inesperada, procedendo com alteração em toda sistemática de juros e correção monetária no âmbito da justiça do trabalho, o que merece uma análise crítica e que ainda poderá gerar muita controvérsia.

Anteriormente ao julgamento em questão, em atenção a reiterada jurisprudência do STF e da TST, vislumbrávamos como solução a ser adotada pela consequente declaração de inconstitucionalidade da TR os parâmetros adotado pelo mesmo STF quando do julgamento do caso envolvendo os precatórios, qual seja, fixar a adoção da Taxa Referencial até 25/03/2015 e,   após tal período, a utilização do Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), sem prejuízo dos juros moratórios legalmente previsto, no patamar de 1% a partir da propositura da ação.

Agora, contrariando totalmente tal perspectiva, com a recente decisão do STF, determinou-se a aplicação do IPCA-E na fase pré-processual, onde ainda não existe ação, sendo que a partir da citação do Réu, aplicar-se-à a SELIC, que já engloba correção e juros moratórios. Sendo assim, em razão dos juros serem aplicados após a propositura, inexistirá qualquer aplicação de juros moratórios como ocorria antes, a não ser pelos já aplicados com a SELIC.

Fato é que, utilizando-se do mesmo argumento utilizado para declarar a inconstitucionalidade da TR, ressalta-se que a utilização da SELIC não apresenta grandes melhorias para o trabalhador, que desmunido da aplicação de juros, notarão grandes diferenças entre os índices.

Para demonstrar melhor a situação, cita-se que no acumulado do ano de 2018, a Taxa Referencial foi zerada, não apresentando qualquer reposição monetária, o IPCA-e apresentou um percentual de 3,75% e a SELIC apresentou um percentual de 6,5%.

Trazendo para a prática trabalhista, aplicando a metodologia que prevaleceu no âmbito do E. STF, temos que uma demanda em trâmite no ano de 2018 seria corrigida pela SELIC, que correspondeu no período acumulado 6,5%, enquanto se adotássemos a previsão do artigo 39, parágrafo 1º da Lei 8.177/199, teríamos o acréscimo dos juros de 12% ao ano, sem acréscimos de correção monetária, pois a TR foi “zerada” no período.

A discrepância se torna ainda mais visível se considerarmos a perspectiva anteriormente formada no sentido de substituição da Taxa Referência pela IPCA-E a partir de 25/03/2015, sem prejuízo juros de mora, como já havia se pronunciado o C. TST na AgrInc-479-60.2011.5.04.0231,  uma vez que para o ano de 2018 teríamos o acréscimo dos juros de 12% ao ano, com atualização monetária de 3,75%.

Assim, ressalta-se que o julgamento do STF frisou a incapacidade da Taxa Referencial em realizar a reposição monetária, sendo que, observando-se o caso concreto, a substituição dos índices de correção acrescidos de juros pela SELIC representa um verdadeiro cavalo de Tróia para os jurisdicionados, significando grande perda econômica.

Em verdade, ainda questiona-se o julgamento da ADC 58, uma vez que este determinou a substituição dos juros de mora legalmente fixados, que sequer eram alvo da ação, caracterizando verdadeiro julgamento além dos limites da lide.

Nesse sentido, observa-se, mais do que nunca, o prejuízo ao trabalhador em detrimento do empregador, já que este agora possui verdadeiro incentivo a deixar de pagar verbas dos trabalhadores, uma vez que a reposição monetária acrescido de juros mediante a utilização da SELIC será demasiadamente mais atrativo.

Em verdade, analisando toda a cadeia de precedentes que deu a origem da aplicação da SELIC em substituição a juros e correção, que no Julgado do STJ (REsp nº 187.401), já reconhecia a incapacidade da SELIC para tal tarefa, uma vez que segundo o julgado a SELIC possui “uma expectativa de correção monetária e juros”.

Isso acontece pois a SELIC, ao contrário de outros índices, baseia-se em previsões futuras, conforme afirmado pelo próprio Copom na elaboração da Taxa SELIC, conforme apontado em sua 232ª reunião, vejamos:

“De forma a prover o estímulo monetário considerado adequado para o cumprimento da meta para a inflação, mas mantendo a cautela necessária por razões prudenciais, o Copom considerou a utilização de uma ‘prescrição futura’ (isto é, um forward guidance) como um instrumento de política monetária adicional. O Copom discutiu as limitações no uso deste instrumento em países emergentes. Em relação aos pares desenvolvidos, países emergentes são mais suscetíveis a contágio de crises externas e possuem maiores vulnerabilidades nos fundamentos econômicos. Consequentemente, devido à maior imprevisibilidade e volatilidade, o uso de tal instrumento torna-se mais desafiador. O comitê concluiu que, apesar dessas limitações, a prescrição futura seria a estratégia de implementação de política que atualmente apresenta a melhor relação custo benefício. A prescrição futura cumpre o papel de transmitir a visão do comitê sobre suas ações futuras e tende a ajustar as expectativas expressadas na parte intermediária da curva de juros”.

Assim, de um lado, temos o IPCA-E, que para sua elaboração leva em consideração um fato passado, qual seja a variação de produtos consumidos nas casas das famílias, de outro temos um índice SELIC, baseado em previsão futura, que no entendimento do STF, deverá substituir a correção monetária, bem como os juros de mora, índice este que se sujeita a muitas outras variações e ânimos econômicos e da políticos.

Por fim, ainda se mostra relevante destacar que por ocasião do julgamento, também por maioria de votos, o Tribunal modulou os efeitos da decisão para determinar que todos os pagamentos realizados em tempo e modo oportunos mediante a aplicação da TR, do IPCA-E ou de qualquer outro índice deverão ser reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão. Por outro lado,

restou conferido efeito erga omnes e efeito vinculante, no sentido de atingir aqueles feitos já transitados em julgado desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros.

A decisão se mostra acertada no aspecto de conferir legalidade aos pagamentos já realizados, inviabilizando qualquer discussão mediante a via da ação rescisória, o que acaba conferindo segurança jurídica. Por outro lado, ainda é possível visualizar lacunas quanto ao efeito erga omnes conferido, principalmente na hipótese do título executivo apenas se reportar a um dos critérios, seja juros ou correção monetária, de modo que, ao nosso entender, não viabiliza a aplicação da SELIC, posto que trata-se de índice que engloba os dois fatores de atualização do crédito, devendo prevalecer o comando em conjunto com a previsão legal pertinente previsto no artigo 39, parágrafo 1º da Lei 8.177/199.

Advogado – Thiago Fraga

Estagiário – Marcelo Magalhães Mesquita

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