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A proteção aos dados pessoais, o princípio da publicidade e a publicidade dos atos processuais

São recorrentes os incidentes de vazamentos de dados que afetam milhares de brasileiros, muitas vezes por falhas em sistemas de segurança e outras por erro humano, mas é incontestável que são graves as consequências para diversos indivíduos que têm informações importantíssimas disponibilizadas de forma a torná-los vulneráveis aos mais diversos tipos de atos criminosos.

Nesse sentido cumpre observar que antes mesmo da tão falada Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, já havia a proteção da privacidade nos termos do que dispõe o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, de uma forma geral, e os artigos 3º, II e III, e 11 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014)

Dessa forma, não se pode olvidar que a preocupação com a privacidade é intrínseca à legislação brasileira, principalmente no que concerne ao ambiente virtual, razão pela qual todos os entes, sejam públicos ou privados, devem se comprometer a resguardar os dados pessoais aos quais tem acesso, no entanto essa proteção muitas vezes é falha, principalmente na esfera pública, o que é evidente diante dos mais diversos golpes dos quais são alvos servidores públicos aposentados, sendo possível encontrar uma grande variedade de notícias relatando tais ardis feitos a partir de informações dessas pessoas facilmente encontradas sites de órgãos públicos, portais da transparência, portarias de nomeação/exoneração/aposentadoria. Assim, os mais diversos atos, desde que envolvam dados pessoais de algum servidor, podem se tornar instrumento de violação do direito à privacidade e proteção dos dados pessoais.

Assim, o que se verifica é um evidente conflito entre o Princípio da Publicidade, que rege os atos praticados pela Administração Pública e a necessária proteção à privacidade e aos dados pessoais desses servidores e empregados públicos, o que também se estende aos mais diversos indivíduos que possuem processos tramitando em qualquer esfera judicial e, devido à publicidade inerente aos atos judiciais, tem informações expostas a quaisquer pessoas que tenham acesso a esses processos, o que é bem simples em meio à implementação do processo judicial.

Nesse sentido, cumpre observar que, no decorrer do ano de 2020, os ataques direcionados aos órgãos do judiciário foram inúmeros, dos quais cita-se a invasão dos servidores do STJ, bem como o sequestro dos respectivos bancos de dados. Nessa mesma oportunidade, os peritos responsáveis pelo restabelecimento dos servidores já destacaram a possibilidade de o responsável pela invasão ter copiado todos os dados, podendo significar um enorme vazamento em massa.

O que se nota é uma mobilização a nível nacional para que os tribunais se adequem à LGPD, razão pela qual o Plenário do Conselho Nacional de Justiça aprovou a resolução que cria o Comitê Consultivo de Dados Abertos e Proteção de Dados do Judiciário, que se deu durante a 73ª sessão virtual. Nessa mesma sessão foram aprovadas as recomendações e diretrizes aos tribunais para acesso e processamento de dados disponibilizados pelos órgãos.

Tal mobilização acontece de forma muito gradual, de forma a ainda manter o acesso e resguardar o princípio da publicidade, pois é importante a completude da entrega jurisdicional. Importante ressaltar que o acesso de terceiros ao processo é importante em momentos de consulta processual, consulta jurisprudencial, pois assevera a advogados de outros casos terem amplo acesso ao acervo probatório, bem como entender as decisões prolatadas.

Mesmo com tais medidas aprovadas, cabe ainda ressaltar o receio em face da capacidade do judiciário de realizar a proteção dos dados dos usuários, uma vez que dentro da própria consulta processual um usuário pode obter acesso a diversos documentos do processo, como documentos que acompanham uma inicial (RG, CPF e etc.), bem como documentos comprobatórios, como cartões de crédito, certidões de imóveis e outras documentações.

Quanto a tal documentação, cita-se a necessidade de um esforço maior, como a utilização de softwares responsáveis por restringir o acesso a documentos e/ou realizar a exclusão de dados importantes. Tal fato poderia ser viabilizado pela utilização de um sistema como o já utilizado pelo STF para triagem de processos (VICTOR), onde o sistema é responsável pela leitura dos documentos, bem como separação dos processos pelo assunto.

Nesse mesmo sentido, sistemas de inteligência artificial podem auxiliar a reconhecer documentos e dados no processo e também em atos da Administração Pública, sendo responsável por restringir o acesso de terceiros a dados que devem ser resguardados, sem que se prive o acesso aos precedentes, bem como decisões judiciais a outros advogados e membros interessados.

É objeto de questionamento, portanto, o livre acesso a tais informações, uma vez que deve-se sopesar até que ponto é possível garantir a publicidade de tais atos e a processos judiciais sem comprometer a necessária proteção conferida aos dados pessoais dos jurisdicionados, sob pena da responsabilização da Administração Pública diante dos prejuízos acarretados e da infração à legislação vigente.

Em consonância a todos esses fatos a solução é o sopesamento entre os Princípios da Publicidade e da Publicidade dos Atos Processuais diante do Princípio da Inviolabilidade à Privacidade, nos termos do que já preconiza o artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal. Dessa forma será garantida a observância de ambos, mas com o uso das ferramentas já mencionadas no sentido de minorar a exposição de dados e reduzi-la apenas ao necessário para que sejam resguardados os dados pessoais dos envolvidos no processo ou servidores públicos, de tal forma que mantenha-se a publicidade dos atos processuais e seja possível identificar as partes ou garantir a publicidade dos atos da Administração Pública sem que haja disponibilização de documentos ou dados específicos (CPF, RG, endereço, contas bancárias, entre outros) ou especificidades fáticas pertinentes à vida privada que não são referentes ao direito tutelado ou objeto da publicidade referente aos atos do ente público.

Advogado – Diogo Almeida

Estagiário – Marcelo Magalhães

 

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