É de conhecimento geral que os fundos de FGTS são um patrimônio do trabalhador, cujo próprio nome diz se tratar de uma “garantia” do empregado.
Pois bem, a Lei do FGTS (8.036/1990), que regulamenta a possibilidade de movimentação de conta vinculada ao fundo, destacou em seu art. 20, inciso XVI, alínea a, que o referido saldo poderia ser movimentado em caso de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, observando que o empregado deverá residir em áreas do Município em estado de calamidade pública, reconhecida pelo Governo Federal.
Ademais, para gerir esta possível movimentação de conta, o Governo Federal publicou o Decreto nº 5.113/2004, que dispõe em seu art. 1º. § 2º, acerca da citada movimentação, onde só poderá ocorrer após o reconhecimento do estado de calamidade por meio de portaria do Ministro do Estado. Inclusive, o art. 2º do mesmo Decreto destacou quais eventos são considerados desastres naturais.
Ocorre que a pandemia do COVID-19 não está elencada como situação de desastre natural, o que, em tese, inviabilizaria a possibilidade de movimentação da conta de FGTS por tal motivo. Entretanto, é absolutamente impossível que o legislador do Decreto supracitado consiga prever todas as situações de desastre natural que venham a acontecer. Logo, há de se analisar que o rol apresentado no art. 2º é meramente exemplificativo.
O INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais destacou, em síntese, que “Os desastres são conceituados como o resultado de eventos adversos que causam grandes impactos na sociedade, sendo distinguidos principalmente em função de sua origem, isto é, da natureza do fenômeno que o desencadeia […]” complementando ainda que “como fenômenos naturais comuns que podem resultar em desastres naturais, pode-se citar: ciclones, dilúvios, deslizamentos de terra, endemias, epidemias, pandemias, erosão, erupção vulcânica, ciclone tropical (furacão, tufão), […].” (http://www.geografia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=258)
Logo, por definição, uma pandemia também é considerada um desastre natural. Há ainda de se destacar que o texto do decreto não considerou nem tsunamis ou terremotos como desastres naturais. Conclui-se, portanto, que o referido artigo 2º é meramente exemplificativo.
Superada esta discussão, passemos a analisar o segundo requisito, qual seja, o de reconhecimento de estado de calamidade pública. Exigência necessária para que se possibilidade a utilização do saldo de FGTS pelo trabalhador.
Pois bem, no âmbito federal, foi publicado o Decreto Legislativo nº 6/2020, que reconhece o estado de calamidade pública decorrente da pandemia do coronavírus (COVID-19 – desastre natural). O referido decreto legislativo de 2020 impôs várias restrições à população por razões de medida sanitária. Esse fato trouxe impacto financeiro para o trabalhador, modificando a situação financeira de diversos empregados (necessidade pessoal urgente e grave), como é o caso do autor, que, em razão das medidas preventivas adotadas tanto pelo Governo Federal, quanto pelo Estado de Goiás e o Município de Goiânia prejudicou diretamente seus compromissos financeiros.
Posteriormente, em 23 de março de 2020, o Prefeito de Goiânia, por meio do Decreto nº 799/2020, também declarou situação de calamidade pública no Município. Portanto, conforme decretos supracitados, todos os requisitos legais para movimentação da conta vinculada estão devidamente preenchidos.
Conclui-se que a finalidade dos depósitos do FGTS na conta vinculada do trabalhador é para formação de um “patrimônio” a ser utilizado em momentos especiais (situações emergenciais). Por esta razão, se o trabalhador – além de outras situações — pode utilizar os recursos do FGTS para a moradia nos casos de aquisição de imóvel novo ou usado, construção, liquidação ou amortização de dívida vinculada a contrato de financiamento habitacional, por qual motivo não pode utilizar ditos recursos para ajudar a mantê-lo em sua sobrevivência e de sua família?