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A pandemia, o teletrabalho e as horas extras

Ainda sofrendo os efeitos nefastos das perdas e danos  decorrentes da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, a famigerada Reforma Trabalhista, a classe trabalhadora do Brasil teve, ainda, logo na sequência, de engolir às brutas a Reforma da Previdência, a Lei da Liberdade Econômica e o Contrato Verde e Amarelo, alterações que também feriram, se não de morte, de forma igualmente cruel e dilacerante, direitos que acreditávamos já sacralizados  para todo trabalhador. Mas tal como se num jogo de videogame em que a próxima etapa é sempre mais difícil, essa sequência aterrorizante ainda se tornaria muito pior, com a chegada de 2020 e, com ele, da pandemia provocada pela Covid 19, que obrigou grande número de empresas e repartições públicas a mudar o regime de trabalho para conter os altos índices de contaminação. O trabalho presencial daria lugar ao teletrabalho mas, num País ainda carente de tecnologias mais avançadas e pego de surpresa com tamanha calamidade, o que poderia ser uma solução, provocou, em alguns ou muitos casos, um verdadeiro desespero: desde março, quando o teletrabalho se tornou o principal regime de trabalho nas empresas em que tal procedimento é possível sem prejuízo do resultado, trabalhadores de todos os cantos do País perceberam que passaram a trabalhar muito mais, se viram sendo contatados por seus superiores a qualquer hora do dia ou da noite, finais de semana e feriados. Como lidar com isso?

Via de regra, o  teletrabalho é  definido como o trabalho preponderantemente remoto ou à distância, com o incremento da utilização de tecnologias de informação e comunicação. Quando em teletrabalho, o empregado pode exercer jornadas fora das instalações físicas da empresa, desde que cumpra as mesmas funções previstas para o local de trabalho. É o chamado “home office”, que permite, por exemplo, o compartilhamento de arquivos e mensagens entre o empregado e seu chefe imediato.

Até aí, tudo bem. O problema, contudo, é que muitos chefes ainda não estão sabendo lidar com essa novidade nem tão nova assim e, em muitos casos, valem-se dessa situação e também da facilidade de contatar o subordinado pelo whatsapp, por exemplo, para “lembrá-lo”, “solicitá-lo” e “agendar” com ele serviços, metas e outras atividades a qualquer momento do dia, sem a mínima observância e respeito ao tempo de descanso do trabalhador.

A boa notícia é que a grande incidência desses casos resultou na elaboração do Projeto de Lei 3.512/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato, e em tramitação no Senado Federal. O projeto  define as obrigações dos empregadores no que diz respeito ao regime de teletrabalho, já que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não detalha essas obrigações e altera normas para o controle da jornada nesse regime.

Para isso, o PL 3.512/2020 revoga um artigo incluído na lei pela Reforma Trabalhista de 2017, que excluiu as regras normais para o controle de jornada dos empregados em regime de teletrabalho.

Além de revogar o artigo, o PL determina que esses trabalhadores terão a jornada comum aos trabalhadores em geral, de oito horas diárias. O projeto também inclui quem trabalha em casa nas regras já existentes para horas extras: até duas horas a mais por dia, com remuneração pelo menos 50% superior à da hora normal, e possibilidade de compensação de acordo com as regras já previstas para os trabalhadores em geral.

O PL 3.512/2020 também coloca a cargo do empregador a obrigatoriedade de fornecer  (em regime de comodato) e manter equipamentos tecnológicos e infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho, considerando a segurança e o conforto do trabalhador.  Além disso, o empregador também terá que reembolsar o empregado pelas despesas de energia elétrica, telefonia e uso da internet relacionadas à prestação do trabalho.

Pelo texto atual da CLT, os empregadores não têm essa obrigação, já que tanto o fornecimento de equipamentos quanto o reembolso das despesas são fixados em contrato entre as duas partes. No novo texto proposto pelo PL 3.512/2020, o fornecimento de equipamentos e infraestrutura pode ser dispensado por acordo coletivo — mas as outras obrigações previstas no projeto não podem ser dispensadas por esse meio. Além disso, todas as disposições para que as novas regras sejam cumpridas devem ser registradas em contrato ou termo aditivo escrito. Assim como já é previsto atualmente na CLT, o texto determina que os valores relativos aos equipamentos e às despesas não fazem parte da remuneração do empregado.

Pode ainda não ser o ideal, mas já é alvissareiro, se considerarmos previsões de especialistas segundos os quais, quando a pandemia passar, notando que não perderam em termos de produtividade com a implantação do regime de teletrabalho, muitas empresas e repartições públicas passarão a adotá-lo em grande escala. É o tal do “novo normal”. Que ele seja um pouco menos desastroso para a classe trabalhadora, é o que esperamos.

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