Por Diogo Almeida.
A MP n. 1.045/2021, que já passou pela Câmara e cuja aprovação no senado tem de ocorrer até o dia 07/09/2021 para que seja válida, tem sido alvo de diversas críticas, afinal em meio ao seu texto e objetivos principais que ensejam a sua suposta urgência há uma série de alterações da legislação trabalhista e efetiva redução de direitos dos trabalhadores.
O fulcro da medida provisória seria o enfrentamento do coronavírus através da continuidade do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, no entanto há ainda previsão de três modalidades de trabalho que inovam no sentido de reduzirem os direitos e garantias dos trabalhadores, quais sejam o Programa Nacional de Serviço Social Voluntário; o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip); e o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore).
Primeiramente, já é controversa a edição de nova MP que permite a redução proporcional de jornada e salário no contexto da pandemia, afinal é de notório conhecimento que a justificativa para tais medidas, utilizadas no início dessa crise sanitária global da covid-19, em 2020, seriam os lockdowns que acarretaram na suspensão de diversas atividades econômicas, medidas que há meses já não são adotadas em nenhum estado e não há mais restrições laborais que ensejem a suspensão de contratos ou jornadas parciais, o que se verifica é que a maioria dos estabelecimentos comerciais já retornou ao funcionamento de tal forma que todos os seus empregados são necessários e não existe necessidade de redução da jornada destes.
Tais fatos, por si só, já colocariam em cheque muitas das disposições da MP 1.045/2021 caso ela se limitasse a reformular apenas essas questões já enfrentadas, mas o conteúdo da medida provisória se mostra muito mais preocupante já que ressuscita, através dos três modelos de trabalho já mencionados, a discussão a respeito da Carteira Verde Amarelo e do Programa Verde Amarelo, tentativas anteriores do Governo Federal de permitir contratos de trabalho sem reconhecimento de vínculo.
Nesse sentido, a atual redação da MP 1.045 aborda o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), que muito se assemelha ao Programa Verde Amarelo lançado em 11/11/2019. O Priori atua de forma a reduzir os custos da contratação da mão-de-obra estabelecendo que pessoas entre 19 e 29 anos que ainda não tiveram a carteira de trabalho assinada e aqueles a partir de 55 que não tem vínculo formal há mais de 12 meses poderão ser contratados por prazo determinado (até dois anos e sem essa limitação aos PCDs) mediante um recolhimento menor de FGTS (que pode ser de apenas 2% em se tratando de microempresa ou 4% caso seja EPP) e da possibilidade de incidência da multa rescisória de 20% e não 40% sobre o FGTS.
As supostas vantagens aos envolvidos seriam ações de qualificação profissional promovidas pelo sistema S ou pelo próprio empregador e ainda através do pagamento de uma espécie de bônus, o Bônus de Inclusão Produtiva – BIP, que será passível de compensação diante de receitas de contribuições sociais.
Resta evidente, portanto, que o Priore nada mais é do que a junção de programas de qualificação profissional, já amplamente difundidos em todo país, e a possibilidade de pagamento de uma gratificação que não teria caráter salarial e compensável para não gerar ônus aos empregadores, supostas benesses diante da efetiva redução de direitos, como o recolhimento a menor do FGTS, flagrante inconstitucionalidade, com o real objetivo de favorecer empresas em detrimento dos empregados sem qualquer gasto ou efetiva contribuição destes além daquelas já existentes.
Intuito semelhante de precarização trabalhista é evidenciado nos dispositivos da MP 1.045 referentes ao Requip e ao Programa Nacional de Serviço Social Voluntário. Iniciando a abordagem deste artigo pelo segundo, trata-se de outra “tentativa de inclusão” de trabalhadores entre 18 e 29 anos e daqueles acima dos 50 anos, esses trabalhadores prestarão serviços de forma direta a municípios em jornadas semanais de até 48 horas mensais, limitadas a 6 horas diárias.
Essa forma de contratação com labor eventual preconiza o afastamento do reconhecimento de vínculo empregatício e subsequente anotação da Carteira de Trabalho, de tal forma que os trabalhadores não teriam direito a verbas trabalhistas como as férias, 13º salário e FGTS, bem como o salário seria proporcional à jornada, sendo a única garantia o direito ao vale transporte. Trata-se, portanto, de verdadeira contratação sem assinatura da CTPS mesmo que estejam presentes os requisitos do vínculo empregatício, o que ocorre ainda no âmbito do poder público municipal, resultando na inobservância da legislação trabalhista e dos dispositivos constitucionais pertinentes, em especial do art. 7º da CF, pelos próprios entes públicos.
Por fim, a última dessas novas formas de contratação, o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), tem funcionamento semelhante ao Programa Nacional de Serviço Social Voluntário, mas no âmbito privado e também envolve trabalhadores entre 18 e 29 anos, sem vínculo registrado em CTPS há mais de dois anos.
Assim como no Priore, há qualificação profissional promovida pelo sistema S ou pelo próprio empregador e pagamento do BIP, mas nesse caso não há apenas a redução do FGTS e da multa rescisória, mas sim inexistência do vínculo empregatício, daí a semelhança ao Programa Nacional de Serviço Social Voluntário.
Os trabalhadores do Requip serão contratados em contratos de, no máximo, 12 meses renováveis por mais 24, mediante pagamento de uma bolsa proporcional à carga horária e sem qualquer direito trabalhista (13º, férias e FGTS), sendo a bolsa em si e o BIP os únicos gastos análogos a remuneração com os quais os empregadores têm de arcar.
A partir desse panorama geral das novas possibilidades de contratação de trabalhadores, todas trazidas pela MP 1.045 em dissonância ao seu intuito geral de abordar a continuidade do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego, ficam evidentes as contradições à legislação vigente, há uma tentativa de burlar o trabalho formal simplesmente pela criação de formas de contratação que tem todas as características de um vínculo mas são revestidas de um suposto incentivo à geração de emprego quando, na verdade, simplesmente reduzem de despesas das empresas e o ônus é todo atribuído aos trabalhadores para a suposta geração de emprego.
A situação de crise econômica e sanitária é utilizada como pretexto para precarizar as relações laborais com consequências que vão além dessas situações emergenciais, bem como apenas agravam a situação, já que a geração de empregos não decorre dessa fragilização dos empregados, vide Reforma Trabalhista que não concretizou os resultados positivos alardeados, apenas quatro anos depois são repetidas as justificativas sem quaisquer estudos ou provas concretas da efetividade, enquanto os prejuízos são claros e levam a um futuro de maiores inseguranças e retrocessos legislativos.