A notícia recente de que a Espanha está revendo a Reforma Trabalhista que lá ocorreu em 2012 foi bastante noticiada nos últimos dias, afinal essa reforma foi um modelo para a reforma brasileira (Lei n. 13.467/2017) ocorrida em 2017. A possibilidade de revogação da reforma no Brasil tem sido, inclusive, ventilada por pré-candidatos à presidência.
Cumpre observar ainda que essa revisão de dispositivos da reforma trabalhista espanhola não se apresenta como uma revogação de toda a reforma espanhola de 2012, afinal busca apenas recuperar o princípio da ultratividade das normas coletivas, que também foi retirado no Brasil através Lei n. 13.467/2017 através do artigo 614, §3º, da CLT, e limitar as contratações temporárias reduzindo o prazo de quatro anos que fora estabelecido pela reforma espanhola para doze meses.
Assim, verifica-se que a alteração a ser promovida pela Espanha não suprimirá outros dispositivos da reforma espanhola que também são muito prejudiciais aos trabalhadores, dentre eles a redução da compensação financeira quando da dispensa por justa causa, que fora reduzida de 45 para 33 dias; ou ainda o fim dos “salários de tramitação”; ampliação das possibilidades de dispensa sem justa causa; demissões coletivas sem o aval de autoridades; aumento da idade máxima para contratos de aprendizado e prevalência de acordos entre empresas e trabalhadores sobre acordos em âmbito estaduais.
Essa manutenção de muitos dispositivos danosos à classe trabalhadora espanhola é objeto de crítica de outras entidades no país, de tal forma que as alterações promovidas seriam decorrentes de uma efetiva negociação com os empregadores mesmo que não tenha havido efetiva negociação com os sindicatos e partidos de esquerda quando da imposição da reforma espanhola, mas, de qualquer forma, evidencia a retomada de garantias laborais e apresenta-se como um estímulo necessário ao arcabouço legislativo brasileiro que tem sofrido com diversas alterações legislativas que precarizaram a situação dos trabalhadores e ainda diante de outras ameaças que se avultam no horizonte.
O que se depreende dessa situação, fazendo as devidas ressalvas entre as diferenças entre o cenário político espanhol e o brasileiro, considerando que não houve efetiva alternância de poder para fomentar tais alterações até o presente momento, é que a alteração legislativa espanhola, mesmo que tímida diante da precarização lá ocorrida, se mostra como um ótimo gatilho para o início da discussão e efetiva tomada de medidas nesse sentido no território brasileiro, afinal em um período de tempo muito inferior ao da Espanha o Brasil sofreu precarização e tentativas outras muito mais significativas. Enquanto na Espanha houve sucessivas reformas nos anos de 1984, 1994, 1997, 2001, 2006 e 2012), no Brasil as medidas tiveram início com a Lei da Terceirização (Lei n. 13.429/2017) em março de 2017, seguida da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017) em julho de 2017 e as diversas MPs do governo Bolsonaro e ainda as tentativas de proposição da chamada Carteira Verde Amarela, para não mencionar ainda outras alterações paralelas em legislações esparsas.
A recuperação das garantias laborais perdidas no interstício de 2017 até o presente momento pode se alongar por muitos anos, razão pela qual o início da discussão já no presente momento eleitoral se afigura como o ideal, bem como há necessidade de efetivamente garantir que novamente não haja precarização sob a falsa premissa de “atualização da CLT”, porquanto a reforma trouxe diversas atualizações sem discussões jurídicas efetivas diferentemente das alterações do CPC de 2015 e as alterações na legislação processual trabalhista inclusive mostraram-se muito aquém das inovações técnicas alardeadas.
Diante da contrarreforma espanhola, que até o momento retoma apenas algumas das garantias trabalhistas minadas pela reforma que lá ocorreu, o ideal no cenário brasileiro seria já pautar a discussão partindo de uma revogação total da reforma trabalhista brasileira de 2017 e então recuperar as garantias trabalhistas anteriores à mudança legislativa. No entanto, diante do atual cenário de resistência política até mesmo alienação da população frente à importância dos direitos trabalhistas, o mais palpável e factível nessa perspectiva de recuperação pode ser uma recuperação gradual com revogações sequenciais para permitir a evolução técnica dos dispositivos legais e ainda impedir novas precarizações de pronto.
Por Diogo Almeida