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O empregado submetido a teletrabalho faz jus ao recebimento de horas extras?

Estudar as relações de trabalho nada mais é do que estudar a história da humanidade, vislumbrando uma verdadeira relação entre os fatos históricos e os movimentos sociais ligados à relação de trabalho.

O modo de produção e a demanda sempre nortearam o desenvolvimento das tecnologias, passando pela agricultura de subsistência até a modernidade com o Taylorismo, Fordismo, Toyotismo e Volvismo.

Nas últimas décadas as apresentações de inovações tecnológicas se intensificaram, trazendo novos desafios para a sociedade ao recebê-las e procurar adequá-las a realidade até então vivenciada.

No mundo moderno nos deparamos com uma nova realidade, onde tudo se apresenta de uma forma rápida e digital, com tecnologias que possibilitam o exercício das atividades laborais fora do ambiente de trabalho com um intenso e efetivo monitoramento.

Em tempos de pandemia, esse processo de adequação das relações de trabalho frente à nova realidade imposta, em especial diante das novas tecnologias, impulsionou de forma mais evidente a implementação de rotinas de teletrabalho.

No aspecto conceitual, o teletrabalho nada mais é do que uma forma de trabalho realizado à distância da empresa ou de suas unidades de produção. A OIT – Organização Internacional do Trabalho assim define essa modalidade de regime laboral:

“O teletrabalho é a forma de trabalho realizada a partir de um lugar distante da empresa e/ou estabelecimento, que permite a separação física entre o local de produção ou de execução da prestação de trabalho e o local onde funciona a empresa, mediante recurso de tecnologias que facilitam a informação e a comunicação” 

É bem verdade que o teletrabalho já não é novidade para diversas empresas e empregados, sendo que já se fazia presente nos mais diversos ambientes corporativos, principalmente aqueles mais consolidados e estruturados, os quais inegavelmente possuem maior facilidade em acompanhar as novas tendências tecnológicas.

Acontece que com o cenário pandêmico, até o microempresário, aquele que usualmente possui maiores dificuldades em acompanhar as novidades tecnológicas, e por isso, certamente visualizava a implementação de tal modalidade de trabalho mais distante, viu a necessidade da adoção imediata do teletrabalho.

Consequência lógica de tal realidade, urge a necessidade de verificar a legislação pertinente, eis que nos deparamos com uma verdadeira carência.

Nesse aspecto, temos que a Lei n° 13.467, de 13 de Julho de 2017, responsável por alterar a CLT, aprovada mediante o falso pretexto de modernização, que em muitos aspectos mais se qualifica como precarização, acrescentou o inciso III, ao art. 62 da CLT, inserindo os empregados submetidos ao teletrabalho na ressalva dos trabalhadores que não são abrangidos pelo regime capitular “Da Jornada de Trabalho”, ao qual o dispositivo está inserido.

Assim, no que concerne à jornada de trabalho, o empregado submetido ao teletrabalho foi inserido na mesma condição dos empregados que desempenham atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho e gerentes. Vejamos o disposto no Texto Consolidado:

Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:            

(Redação dada pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;             

 (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.            

 (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

III – os empregados em regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)   

Logo nota-se a pretensão do Legislador de atribuir uma presunção no sentido de que os empregados submetidos ao teletrabalho não fariam jus ao recebimento de horas extras.

Acontece que o disposto no inciso III, ao art. 62 da CLT deve ser objeto de uma interpretação sistêmica, em conjunto com as demais normas celetistas e constitucionais, não cabendo puramente uma simples interpretação gramatical pelos juristas.

Inicialmente, no plano constitucional, há que se destacar que resta assegurado a todos os trabalhadores urbanos e rurais, sem qualquer distinção de modalidade de trabalho, jornada laboral não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;”

Assim, independentemente da modalidade, presencial ou teletrabalho, a jornada constitucional fixada deve ser observada, sob pena de a empresa ter que arcar com a contraprestação das horas extas pertinentes.

Estabelecida tal base constitucional, insta interpretar o inciso III à luz do próprio art. 62, incisos I e II da CLT, o qual traz apenas presunção “juris tantum” quanto aos empregados que exercem atividade externa e aos gerentes. Nessa perspectiva, resta assentado na doutrina e jurisprudência que os empregados que exercem atividades externas, as quais são passivas de controle, fazem jus ao recebimento de horas extras.

Seguindo o mesmo raciocínio, o inciso III, ao art. 62 da CLT, ao tratar do teletrabalho, também traz apenas uma presunção “juris tantum”, que consiste na presunção relativa, válida até prova em contrário. 

Nessa perspectiva, cabe ainda ressaltar o disposto no art. 6°, da CLT, o qual expressamente prevê que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho. Vide:

“Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.                        (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011)

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”      

Nessa seara, temos que o teletrabalho em muitos casos está até mesmo intrinsicamente ligado à utilização de meios telemáticos, sejam computadores, câmeras, ipads, GPS, entre outros, os quais proporcionam de forma inconteste a possibilidade de controle de jornada, de modo que passa a ser uma obrigação da empresa implementar e controlar a jornada, bem como de realizar a contraprestação das horas extraordinárias.

Na realidade, as tecnologias que temos à disposição atualmente possibilitam um monitoramento ainda mais intenso e efetivo, capaz de controlar todos atos realizados nos computadores, bem como realizar uma supervisão remota mediante webcam e  Skype, o qual não dimensionada corretamente, pode até configurar uma verdadeira invasão à privacidade e a intimidade do trabalhador.

Assim, o inciso III, ao art. 62 da CLT, trata-se de uma presunção “juris tantum” pertinente aos empregados submetidos ao teletrabalho, de modo que uma vez comprovado no caso concreto que o empregado esteve submetido a algum tipo de controle de jornada, ele fará jus ao recebimento das horas que ultrapassem o limite legal, como extras. 

 

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