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Responsabilidade subsidiária da ENEL pelo mero inadimplemento de verbas trabalhistas por parte das terceirizadas

Por Diogo Almeida

Anteriormente à vigência das Leis n. 13.429/2017 e 13.467/2017, a terceirização só era possível no caso das atividades-meio das empresas, ou seja, apenas poder-se-ia contratar uma prestadora de serviços caso a atividade a ser terceirizada fosse ligada a serviços periféricos e secundários, não adentrando na atividade-fim. Nesse sentido, uma empresa concessionária de energia elétrica, como a ENEL, não poderia contratar empregados terceirizados para o desempenho das atividades de eletricistas e afins.

O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado em sua Súmula 331 era no sentido de que era ilegal a terceirização de atividade-fim, de tal forma que a pessoa jurídica de direito privado que assim fizesse seria também reconhecida como empregadora mediante formação do vínculo empregatício diretamente com o empregado. A ressalva feita na Súmula 331 se dava quanto à impossibilidade desse vínculo de emprego ser formado com órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional, mediante exegese do art. 37, II, da CF/1988, casos em que haveria apenas responsabilidade subsidiária caso verificada a culpa in eligendo ou a culpa in vigilando, ou seja, caso evidenciada a conduta culposa na fiscalização da empresa contratada no cumprimento de obrigações contratuais trabalhistas.

Com o advento da Lei da Terceirização (Lei n. 13.429/2017) e da Reforma Trabalhista  (Lei n. 13.467/2017), houve legalização da terceirização, de tal forma que não mais impera a proibição da terceirização da atividade-fim, muito menos a responsabilização solidária pelas verbas trabalhistas ou o reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com a tomadora de serviços.

O que se verifica atualmente, em consonância à legislação vigente, aplicação da Súmula 331 do TST e jurisprudência pacífica, é a responsabilização subsidiária da empresa tomadora de serviços pelo mero inadimplemento por parte da terceirizada, de forma a garantir o pagamento dos empregados terceirizados e a responsabilização da ENEL, que é beneficiada diretamente pelos serviços essenciais por eles prestados.

Assim, diante do inadimplemento de verbas trabalhistas do empregado terceirizado, como na hipótese de não pagamento de horas extras, já se verifica a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços e, em caso de condenação trabalhista quanto às verbas inadimplidas, será a execução direcionada em seu desfavor após a observação do benefício de ordem e não havendo pagamento por parte da empresa contratada.

Essa situação é bem verificada em processos movidos por empregados das empresas terceirizadas que prestam serviços à ENEL no estado de Goiás, afinal a regularidade dos contratos de terceirização, em observância à legislação vigente desde 2017, impede a formação do vínculo diretamente entre os empregados terceirizados e a empresa concessionária de energia elétrica, no entanto o mero inadimplemento das verbas trabalhistas atrai a responsabilidade subsidiária da Enel, sequer havendo que se falar culpa in eligendo ou a culpa in vigilando, uma vez que se trata de empresa privada e, subsequentemente, não se aplica o previsto no item V da Súmula n. 331 do TST, destacando-se o que preconiza o seu item IV:

Súmula nº 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Destacam-se ainda os seguintes julgados recentes expondo de forma clara a aplicação da Súmula 331 no caso das empresas terceirizadas da ENEL de Goiás:

CELG. TERCEIRIZAÇÃO. TOMADORA DOS SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PRIVADO. APLICAÇÃO DO ITEM IV DA SUMULA 331 DO TST. Tendo em vista a privatização da CELG, a análise da sua responsabilidade, enquanto tomadora de serviços, não mais deve dar-se sob o enfoque de que se trata de ente integrante da Administração Pública. Portanto, não se aplica ao caso o item V, da Súmula 331 do TST, que condiciona a responsabilidade subsidiária do ente público à comprovação de conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666/93. Ao revés, a responsabilização da CELG decorre do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa prestadora dos serviços, nos termos do item IV da Súmula supratranscrita.

(TRT18, ROT – 0010532-58.2020.5.18.0017, Rel. GENTIL PIO DE OLIVEIRA, 1ª TURMA, 16/04/2021, grifo nosso)

Disponível em: https://sistemas2.trt18.jus.br/solr/pesquisa?q=id:3-17050385

TERCEIRIZAÇÃO. TOMADOR DE SERVIÇOS CONTÍNUOS. ATIVIDADE EMPRESARIAL. NATUREZA E FORMA DA CONTRATAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS DO PRESTADOR. A contratante de serviços contínuos é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas contraídas pelo prestador, relacionados ou não com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação, a ela competindo i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993 (STF, ADPF 324), sem relevar a existência de culpa.

(TRT18, ROT – 0010397-19.2019.5.18.0102, Rel. MARIO SERGIO BOTTAZZO, 3ª TURMA, 20/04/2021, grifo nosso)

Disponível em: https://sistemas2.trt18.jus.br/solr/pesquisa?q=id:3-16980183

Conclui-se que, havendo inadimplemento de verbas trabalhistas de empregados terceirizados que prestam serviços para a ENEL, haverá responsabilidade subsidiária por parte da concessionária sem a necessidade de verificação de qualquer tipo de culpa, seja na fiscalização ou contratação.

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