Empresa que se manteve inerte em caso de stalking é responsável por danos morais causados a uma empregada e pagará a ela indenização de R$ 10 mil. Essa foi a decisão da Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT-18) ao analisar o recurso ordinário de uma atendente e de uma empresa que questionavam a condenação por danos morais em uma ação trabalhista. A empresa foi condenada no 1º grau a indenizar a empregada em R$ 4 mil por ter sido stalkeada no trabalho por um colega. A empresa queria afastar a condenação e a empregada pediu o aumento do valor pelos danos morais sofridos pelo assédio.
O caso
A atendente pediu na Justiça do Trabalho o reconhecimento do fim do contrato laboral por ausência do pagamento de horas extras e adicional de insalubridade. Além disso, ela alegou ter sofrido assédio moral no ambiente de trabalho. Ela relatou que a empresa manteve uma política de desrespeito aos empregados e, com a chegada de um outro colaborador, passou a sofrer humilhações, xingamentos, gritos, perseguições, calúnias e difamações. Esse colaborador, segundo ela, tirou fotos dela sem autorização, a envolvia em supostas traições para prejudicar sua vida pessoal. Segundo ela, tais fatos afetaram sua saúde mental e emocional levando-a a se submeter a tratamento psiquiátrico e tomar antidepressivos. Por tais motivos, pediu o pagamento de indenização por danos morais.
A empresa negou a existência de assédio moral. O juízo da 14ª Vara do Trabalho de Goiânia entendeu que houve o rompimento do contrato de trabalho e determinou o pagamento da indenização por dano moral no valor de R$ 4 mil.
A trabalhadora recorreu e pediu o aumento do valor arbitrado. Para ela, a indenização fixada não guarda relação com o sofrimento pelo qual passou. Alegou também a existência de caráter pedagógico da indenização para que a situação não se repita, uma vez que a empresa sabia das práticas aterrorizantes do outro empregado e se manteve inerte quanto a manutenção da paz e harmonia no local de trabalho ou mesmo promover alguma mudança para a realização do labor de forma digna.
A empresa, por sua vez, ao recorrer, pediu a exclusão da condenação, alegando não haver provas do assédio moral.
Voto
A relatora, desembargadora Silene Coelho, antes de analisar o recurso, trouxe no voto o conceito doutrinário sobre o que pode ser considerado assédio moral no ambiente do trabalho. Ela destacou que define-se como assédio moral a conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e expõe a pessoa a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
“Ressalto que o assédio moral pode ser praticado de forma vertical (ascendente/descendente) e horizontal (empregados de mesma hierarquia), no mundo público e privado”, observou Silene Coelho. Ela destacou, também, que o tema tem importância mundialmente reconhecida e citou a recente aprovação pela OIT da Convenção 190 que dispõe sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Essa convenção ainda não foi ratificada pelo Brasil.
Sobre os recursos, a desembargadora avaliou que o caso é uma variável do assédio moral. Para ela, ficou comprovado que outro trabalhador perseguia a atendente, configurando um caso típico de stalking. Dos depoimentos constantes nos autos, considerou a relatora, e da análise da sentença recorrida, ficou claro que o trabalhador descrevia fatos singelos do dia-a-dia da atendente, a denotar que ele vigiava os seus passos, inclusive aqueles que não tinham ligação com o serviço com o objetivo de prejudicar tanto a vida profissional como pessoal da colaboradora. Além dessas provas, prosseguiu, há comprovação de que a empresa tinha ciência dos fatos e se omitiu em tomar providências tendentes a cessar constrangimentos.
A desembargadora explicou que o stalking, de acordo com a doutrina, é uma forma de violência na qual uma pessoa, perseguidor, invade a esfera de privacidade de outra, que passa a ser vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos. Os atos podem ser, entre vários, mensagens, presentes, ou ações como espalhar boatos sobre a conduta profissional ou moral da pessoa que é perseguida, como falar que é portadora de doenças contagiosas, que é procurada pela Polícia. Ela prosseguiu explicando que é dessa forma que o perseguidor passa a ter controle psicológico sobre a vítima, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos.
No tocante à responsabilização da empresa pelos atos do stalker, Silene Coelho disse que o art. 932, III do CC estipula a responsabilidade objetiva da empresa, sendo desnecessária a análise de conduta patronal. “Ainda que assim não fosse, a prova oral demonstrou o conhecimento do primeiro reclamado, haja vista que foi enviada a notícia dos acontecimentos à empresa, pelo que se manteve inerte, incidindo sua responsabilidade na modalidade culposa, porquanto tem o dever de manter o meio ambiente de trabalho também psicologicamente sadio”, ponderou a relatora. Sobre o valor da indenização, a desembargadora considerou a repercussão das ações do perseguidor no ambiente de trabalho, uma vez que houve atentado contra a honra pessoal e profissional da atendente para reformar o valor anteriormente fixado em sentença de R$ 4 mil para R$ 10 mil. Com esses fundamentos, a relatora deu parcial provimento ao recurso da reclamante e negou provimento ao recurso da empresa. Processo 0010055-78.23019.5.18.0014
Fonte: TRT18 – Acessado em: 20/04/2020